QUESTÕES ORIENTADORAS PARA LEITURA DE CLÁSSICOS E DA RELAÇÃO COM AS REFERÊNCIAS

29/06/2020 21:29

[A partir de Ítalo Calvino (1923-1985)[1] e Paulo Freire (1921-1997)[2]

 

“A escola e a universidade deveriam servir

 para fazer entender que nenhum livro que fala de outro livro diz

 mais sobre o livro em questão;

mas fazem de tudo para que se acredite no contrário”.

(CALVINO, 1994, p. 12)

Parece que nunca foi tão importante ler os clássicos, confrontando questões e ideias que transcendem o tempo na qual foram construídas com as realidades objetivas e fantasiadas. Essas obras (atemporais) instrumentalizam para a análise da realidade na qual estivemos, estamos e estaremos inseridos. A capacidade de leitura da realidade e, consequentemente, dos grandes dilemas da humanidade apresentados explicita e implicitamente nas obras clássicas filosóficas e literárias fazem-se imprescindíveis nos tempos obscuros atuais.

Lançando mão do seu estilo que passou de neorrealista para o realismo fantástico, mesclando fantasia e realidade, Calvino aponta que “os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual” (CALVINO, 1994, p. 10-11).

A leitura do livro Porque ler os Clássicos de Ítalo Calvino suscita alguns questionamentos. Reproduz-se aqui, pois podem ser-te úteis para qualificar uma leitura o quanto o foram para os participantes do Grupo de Estudos Trabalho e Conhecimento na Educação Superior (TRACES), seja para ler este livro, seja para ler qualquer outro que pode ser o teu clássico.

Ler os clássicos é exercitar a relação entre a objetividade materializada e as subjetividades. Pode traduzir-se, neste sentido, como formas de ler a si mesmo, de reconhece-se, de visitar lugares conhecidos e desconhecidos que causam sensações das mais variadas, do conforto e fruição à inquietação e dor (aquela que rasga convicções e desnuda imperativos). É o exercício do pensar relacional e recordativo daquilo que já se sabia, mas que o autor do clássico escolhido brilhantemente escreveu primeiro.

As questões apresentadas apontam para uma tentativa de ler um clássico na busca por conhecer e reconhecer-se, constituindo-se autor na busca pelas próprias referências norteadoras na leitura de mundo.

 

  1. 1- A leitura do livro causou surpresas?
  2. 2- Ao ler o clássico, diretamente, percebe que ele diz mais do que ao ler uma obra que fala do/ou sobre o clássico? Porque?
  3. 3- Você o releu? Ao relê-lo você ´viu´ coisas diversas daquelas que percebeu na primeira leitura?
  4. 4- Você leu (?!) um clássico por dever (“li porque foi exigido”) ou por escolha/opção?
  5. 5- Ao ler a obra você o fez para cumprir uma tarefa? Da leitura decorreram buscas de outras leituras ´desinteressadamente´? Tarefa e/ou fruição?
  6. 6- Você se sentiu ´tomado´ pela leitura do clássico ou ´brigou´ com o autor?
  7. 7- Quando você leu um segundo clássico, como foi o encontro? E como ficou o primeiro clássico lido em relação ao segundo?
  8. 8- Do ponto de vista prático, das ´n´ demandas do dia-a-dia, por que, mesmo, ler um clássico?
  9. 9- Como chegar a um equilíbrio, em termos de leituras, entre situar-se enraizadamente no momento presente, sem deixar de olhar para trás e para a frente (retrospectiva e prospectiva)?
  10. 10- Como conciliar o aqui/agora, o on line, o right now, com os tempos longos, seja da nossa vida, seja da humanidade? (correria x ócio).
  11. 11- Como ultrapassar a leitura minimalista, mediada por emojis, que parece imperar nos tempos atuais?

Com a palavra Calvino: algumas respostas ao porquê ler um clássico?

 

– “A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos” (IDEM, p. 16).

 

Calvino conclui seu texto citando Cioran: “Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. ´Para que lhe servirá? ´, perguntam-lhe. ´Para aprender esta ária antes de morrer´” (IDEM, p. 16).

 

*****

 Por fim damos a palavra a outro clássico, Paulo Freire, que trata das referências bibliográficas e da relação que o leitor deve ter com elas:

Toda bibliografia deve refletir uma intenção fundamental de quem a elabora: a de atender ou a de despertar o desejo de aprofundar conhecimentos naqueles ou naquelas a quem é proposta. Se falta, nos que a recebem, o ânimo de usá-la, ou se a bibliografia, em si mesma, não é capaz de desafiá-los, se frustra, então, a intenção fundamental referida.

A bibliografia se torna um papel inútil, entre outros, perdidos nas gavetas das escrivaninhas.

Esta intenção fundamental de quem fez a bibliografia lhe exige um triplo respeito: a quem ela se dirige, aos autores citados e a si mesmos. Uma relação bibliográfica não pode ser uma simples cópia de títulos, feita ao acaso, ou por ouvir dizer. Quem a sugere, deve saber o que está sugerindo e por que o faz. Quem a recebe, por sua vez, deve ter nela, não uma prescrição dogmática de leituras, mas um desafio. Desafio que se fará mais concreto na medida em que comece a estudar os livros citados e não os ler por alto, como se os folheasse, apenas.

Educar é, realmente, um trabalho difícil. Exige de quem o faz uma postura crítica, sistemática. Exige uma disciplina intelectual que não se ganha a não ser praticando-a (FREIRE, 1981, p. 6).

[1] CALVINO, I. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

[2] FREIRE, P. Ação cultural para a Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1981.